No capítulo anterior...
-
Depois do escândalo de Jussara e Joselito, Joana é demitida da loja
-
Bebel recebe uma ligação ameaçando-a de morte e Lorraine a aconselha a tomar
cuidado
-
Betina avisa à família que vai sair de casa para fazer sua cirurgia de mudança
de sexo
-
Gilberto e Hoffmann viajam num final de semana e se envolvem cada vez mais
-
Desorientado, Tatão vai à casa de Célia armado com uma faca, na intenção de matá-la
CAP. 196
JOANA: Mãe,
faz alguma coisa! A senhora tem de impedir meu pai de fazer essa loucura!
VANILDA: Que
loucura menina? Do que é que você tá falando?
JOANA: Meu
pai pegou uma faca e foi pra casa da Célia.
VANILDA: Ah
meu Deus! Esse homem perdeu o juízo? Não é possível! Mais um desajuizado na
família é demais!
Vanilda corre para o telefone e
liga, mas o celular toca no quarto.
VANILDA: E
agora, o que eu faço meu Deus?! Tá vendo o que você me apronta? Se não fosse
pelos seus desatinos nada disso estaria acontecendo! E agora se o seu pai
cometer um desatino e for parar na cadeia, o que será de nós?
JOANA: Droga!
Droga! (pensa um instante) Eu preciso avisar a Célia! Me dá esse telefone aqui.
Joana disca, mas Célia está no
banho e nem nota o celular vibrando.
Joana sai correndo e vai ao
apartamento de Lorraine pedir ajuda.
LORRAINE: Calma
filha, entrar num prédio não é tão simples assim. Tem porteiro, tem circuito
fechado de TV. Acho que você tá se preocupando à toa.
JOANA: Eu
tentei avisá-la, mas não consegui. Celular não atende.
LORRAINE: Tenta
de novo. Liga aqui do meu (e lhe entrega o aparelho)
Joana liga, mas Célia não
atende. Ainda está no banho.
JOANA: E
agora, o que eu faço? E se meu pai fizer uma besteira?
LORRAINE: Calma,
não vai acontecer nada. Agora não há nada que se possa fazer. O melhor é
esperar. Talvez sua namorada nem esteja em casa.
JOANA: Lorraine,
se não for pedir muito, você podia falar com meus pais, dar uns conselhos pra
eles... Eu soube que você falou com a família da Betina e eles até procuraram o
psicólogo. Você fala com meus pais? Por favor...
LORRAINE: Sim,
claro. Falo sim. Não me custa nada. Mas agora se acalme.
Tatão chega ao prédio e fica na
espreita. Assim que o porteiro ultrapassa o portão carregando alguns sacos de
lixo, ele passa de fininho e se dirige ao elevador.
Ao chegar no hall do
apartamento, uma série de questionamentos começam vir à sua cabeça. Ele tem uma
visão, na qual vê policiais o algemando na frente da sua mulher e de seus
filhos. Todos choram desesperadamente. Quando o policial o joga dentro da
viatura e bate a porta do camburão, ele volta a si e desperta assustado.
TATÃO
(para si mesmo): Meu Deus! O que eu tô fazendo aqui?! Eu não posso fazer isso
com a minha família. Eu não posso curar um mal com outro maior ainda. O que meu
deu na cabeça? Toma juízo homem! Você é um pai de família! Você não pode fazer
uma besteira dessas!
Ele senta no corredor e chora.
Depois de algum tempo desiste e vai embora sem incomodar Célia.
Joana se despede e vai embora.
Nisso Bebel entra na sala.
BEBEL: Mona,
recebi mais duas ligações daquelas, me ameaçando de morte. O que eu faço?
LORRAINE: Puxa!
O dia hoje começou quente. Primeiro a sapatinha, agora você...
BEBEL: Me
ajuda, mona! O que eu faço?
LORRAINE: Sinceramente?
Eu acho que você devia sumir por uns tempos. Sei lá, faz uma viagem. Aproveita
que a Pâmela vai viajar e passa uns dias com ela lá no Recife. Você vai ter de
esperar a poeira baixar. Você se meteu com gente da pesada e enquanto a
imprensa não esquecer esse escândalo, você vai ficar no olho do furacão.
BEBEL: Boa
ideia. Vou falar com ela agora mesmo. (e sai)
Lorraine respira fundo e senta
no sofá.
ALGUMAS SEMANAS DEPOIS
Gilberto e Joel conversam na
portaria do prédio.
GILBERTO: Respondendo
ao que você perguntou, a gente tá se conhecendo melhor e se acertando. Pra
falar a verdade tô até gostando da experiência de namorar um coroa. O Hoffmann
é um cara muito legal, bem humorado, paciente. Ele é culto, sabe de tanta
coisa, já viajou pra um monte de lugares bacanas, até pra fora do Brasil...
JOEL: E
o sexo, como é? Ele funciona direitinho?
GILBERTO: Funciona,
claro. Ele só não tem o fogo e a disposição do Romero ou do Reynaldo, mas é bom
de serviço. Digamos que não tem quantidade, mas tem qualidade, entende? Ele é
mais calmo, mais paciente. Valoriza mais as preliminares... É um esquema
diferente, entende?
JOEL: Bom,
terceira idade nunca foi a minha especialidade, mas, pelo visto você tá
gostando muito.
GILBERTO: Ele
tem me proporcionado muita coisa legal, diferente. Ultimamente nem me lembro mais
do Reynaldo...
JOEL: Tá
vendo o que eu te disse? Pra esquecer uma paixão, só outra. Depois que você se
envolve com outra pessoa, mesmo que não seja o grande amor da sua vida, logo
logo você nem se lembra do outro mais...
GILBERTO: Mais
uma vez você tinha razão. Sabe tudo minha amiga Juju... (risos)
Orientados por Lorraine e
Pâmela, Juarez e Lourdes procuram doutora Cacilda na ONG. Ela, por sua vez, os
orienta a participar de um grupo de apoio para pais de homossexuais, para que
possam compreender melhor as particularidades da transexualidade. Depois de
várias reuniões só participando, só ouvindo, o casal resolve dar o seu
testemunho.
MEDIADOR: Este
é o senhor Juarez.
TODOS: Oi
Juarez!
JUAREZ: Eu
gostaria muito de agradecer a cada um de vocês pela acolhida nos deram nesse
grupo. É muito difícil aceitar que temos um filho homossexual, mas quando
chegamos em um ambiente onde todos compartilham dessa condição, as coisas ficam
mais fáceis. Eu tenho aprendido muito com todos vocês. Eu sou coronel do
Exército e no começo tinha uma dificuldade enorme em aceitar o meu filho
transexual. Isso era uma coisa inconcebível pra mim. Embora desde a infância
ele sempre demonstrasse que era uma criança diferente, eu sempre fiz questão de
ignorar e fingir que aquilo não tinha importância. Não entrava na minha cabeça
uma coisa dessas. Mas chegou o dia que não deu pra ignorar mais. As coisas
começaram acontecer e a sua sexualidade começou a aflorar. Sofremos muito com
isso, mas hoje eu aprendi que precisamos amar os nossos filhos como eles são.
Eles não são nem melhores nem piores que os outros. São apenas diferentes. E
ninguém tem culpa de nascer diferente. Não podemos culpar um surdo por ser surdo,
nem um deficiente por ser deficiente. Eles são assim e pronto. E a nós, pais,
cabe amá-los, respeitá-los e lutar para que eles sejam felizes. O meu muito
obrigado a todos vocês.
Todos aplaudem.
MEDIADOR: Esta
é a Lourdes.
TODOS: Oi
Lourdes!
LOURDES: Eu
não sou muito boa com as palavras, mas quero agradecer a esse grupo e a todos
vocês por terem nos acolhido aqui. Nós estávamos numa situação limite por causa
do nosso filho. Meu marido Juarez teve um ataque cardíaco e quase morreu. Eu
fiz uma coisa que tenho até vergonha de confessar, mas eu tentei tirar a minha
própria vida me jogando na frente de um carro, de tanto desespero, de tanta
vergonha que eu senti ao descobrir que tinha um filho transexual. Graças a Deus
apareceu uma alma bondosa que me impediu de cometer aquela insanidade. E por
incrível que pareça, naquele momento de extremo desespero, a primeira pessoa
que me estendeu a mão foi justamente o meu filho. Eu levei muito tempo para
entender que mais importante que a sexualidade dos nossos filhos, é o amor que
sentimos por eles. E esse amor é capaz de superar tudo. Nós estamos começando
agora, ainda temos muito que aprender, até entender esse fenômeno da
transexualidade, mas a lição mais importante nós já aprendemos com vocês: amar
os nossos filhos como eles realmente são. Muito obrigado.
Todos aplaudem.
No dia seguinte, perto da hora
do almoço, Hoffmann e Gilberto vão ao supermercado fazer compras. O calor é
intenso e Hoffmann transpira muito. Por várias vezes reclama de falta de ar,
dor de cabeça e mal estar.
GILBERTO: Chegando
em casa a gente vai ligar pro médico e marcar uma consulta pra você. Esse
negócio não tá certo não...
HOFFMANN: Deve
ser o calor. Tá muito quente e seco...
Ao chegarem à garagem do
prédio, Gilberto tira uma caixa de papelão do porta-malas e segue para o
elevador, sem prestar atenção no parceiro, que fica pra trás.
Hoffmann tira a outra caixa,
mas ao fazer força ele sente mal e cai.
Algum tempo depois, Gilberto
volta e se depara com Hoffmann estirado no chão, inerte.
GILBERTO: Hoffmann?!
Ai meu Deus! E agora? O que eu faço?
Ele tenta despertar Hoffmann,
que não reage. Gilberto se desespera.
Continua amanhã...
>>>>>>>>>>>>>>>>
Você sabia?
Literatura - Machado de Assis -
mostrando inovação e audácia no cenário literário de seu tempo - escreveu
contos como "D. Benedita" de Papéis Avulsos e "Pílades e
Orestes", em que existe uma temática lésbica e gay, respectivamente. Além
disso, alguns consideram que o Bentinho do romance Dom Casmurro (1899) era
apaixonado por seu amigo Escobar, e não (ou também por) Capitu. Na literatura portuguesa,
temos os nomes de Mário de Sá Carneiro, Fernando Pessoa, Antônio Botto (que
morou e faleceu no Rio de Janeiro) e Al Berto; Pessoa, por exemplo, sob o
heterônimo de Álvaro de Campos, escrevia: "Eu, que tenho o piscar de olhos
do moço do frete" ("Poema em linha reta"). Em outras
literaturas, destacam-se os sonetos de Shakespeare, Walt Whitman, Christopher
Marlowe, Virginia Woolf, Arthur Rimbaud, Marcel Proust, André Gide, Michel
Foucault, Roland Barthes e outros.
Nenhum comentário:
Postar um comentário