No capítulo anterior...
- A professora explica a Bernardo que terá de
consultar as leis para que o chame por seu “nome social”: Betina
- Joselito conta a Jussara que flagrou Joana
no carro da mãe deles, deixando-a irada
- Reynaldo e Gilberto assistem a um show de Drag Queens na boate Nostro Mondo
- Reynaldo pergunta a Gilberto se ele está
disposto a ficar morando em São Paulo
CAP. 182
GILBERTO: Confesso
que você me pegou meio de surpresa. Na verdade nem tinha pensado nisso ainda...
REYNALDO: Você
acha mesmo que tem de pensar? Veja bem: você não nasceu em Brasília. Morou lá
por pouco tempo, nem tava familiarizado direito com a cidade. Além do mais você
já abandonou o seu emprego. Se voltar pra lá, vai ter de começar tudo do zero,
vai ter de procurar outro emprego, arrumar outro lugar pra morar...
GILBERTO: Isso
é verdade.
REYNALDO: E
se as coisas não derem certo ? Você não tem nem pra quem apelar, já que não tem
nenhum parente na cidade...
GILBERTO: Mais
uma vez você tem razão.
REYNALDO: Aqui
você tem lugar pra morar. Eu posso te arrumar um emprego, posso te matricular
em uma escola. Você pode continuar sua vidinha tranquilo aqui...
GILBERTO: Nossa!
Assusta um pouco sabia? Nunca pensei em morar em São Paulo, viver aqui... Se eu
falasse isso lá na minha cidade, o povo ia dizer que eu tô maluco...
REYNALDO: É
normal. Cidade pequena o pessoal te cisma mesmo de cidade grande. Mas cidade é
tudo a mesma coisa. A diferença é que aqui é grande e lá pé pequeno.
GILBERTO: Você
fala isso porque não conhece a minha cidade. Se você fosse lá, ia ver que são
dois mundos completamente diferentes...
REYNALDO: Bom,
resumindo, você tá querendo dizer que quer mais um tempo pra pensar. É isso?
GILBERTO: Acho
que sim.
REYNALDO: Tá
bem. Vou te dar mais um tempinho.
Nisso o garçom chega para
servir a comida e interrompe a conversa.
Célia apanha Joana nas
proximidades de sua casa para irem a um bar só para lésbicas.
CÉLIA: Oi
gata! Como passou daquele dia?
JOANA: Bem.
E a minha mulher como passou?
CÉLIA: Tirando
as discussões com aquele porre do meu marido, até que bem.
JOANA: Vocês
continuam se desentendendo até hoje?
CÉLIA: Quase
todos os dias. Aquele frouxo não entende que eu não tô na dele mais. Ele quer
ficar cantando de galo, tentando me botar moral, como se ele fosse macho pra
isso.
JOANA: Vocês
precisam se entender. Ou então chutar o balde logo de vez...
CÉLIA: É
isso que eu quero fazer, mas o frouxo não aceita. Toda vez que eu tento levar o
assunto adiante ele começa a fazer chantagem emocional, começa usar os filhos
como desculpa. Na boa? Não tô aguentando isso mais. Qualquer hora eu vou
resolver isso do meu jeito.
JOANA: Calma.
Relaxa. A gente não tá saindo hoje pra se divertir, pra curtir um pouco?
Então... Não vela a pena ficar se estressando antes da hora.
CÉLIA: Antes
da hora mesmo, porque quando eu chegar em casa vai ter outro arranca-rabo. Cretino... Ele desconfia que eu tô tendo caso
com outro homem... O sonso nem desconfia que dessa raça eu só quero distância.
As duas riem...
Bernardo conversa com Lorraine,
que enrola bombons na mesa da cozinha.
LORRAINE: Não
acredito! Você falou assim, na frente de todo mundo, que agora só quer ser
chamada de Betina?
BERNARDO: Falei.
Interrompi a chamada da professora e falei.
LORRAINE: E
ela? Como reagiu?
BERNARDO: falou
assim que os colegas podem me chamar do jeito que eu quiser, mas com relação ao
diário ela vai ter de consultar as leis. Aliás, foi por isso que eu vim aqui,
pra te pedir uma orientação. Existe mesmo essa lei?
LORRAINE: Na
verdade não é uma lei, é uma portaria da Secretaria de Educação. Mas na prática
vale a mesma coisa. E a sua professora não conhece a portaria?
BERNARDO: Ela
disse que já tinha ouvido alguma coisa a respeito, mas que não tava por dentro
dos detalhes...
LORRAINE: Existe
mesmo. Alunos acima de dezoito anos, travestis e transexuais, podem escolher
como querem ser chamados e toda a documentação escolar deve constar o nome
civil.
BERNARDO: E
você tem cópia dessa tal portaria aí?
LORRAINE: Eu
acho que aqui em casa não. Mas podemos pedir pra doutora Cacilda. Ela tem, com
certeza.
BERNARDO: Se
você puder fazer isso por mim, eu te agradeço muito.
LORRAINE: Aliás,
eu nem preciso fazer... Vá você mesmo lá na ONG e peça pra doutora Cacilda. Ela
tira uma cópia e você leva pra escola. Mas não pra professora, você leva direto
pra secretaria da escola, certo?
BERNARDO: Certo.
Vou fazer isso amanhã mesmo. Puxa! Nem sei como te agradecer.
LORRAINE: Não
precisa. Só de ver vocês, novinhas, conseguindo coisas que eu levei anos pra
conseguir, eu já fico muito feliz.
Não muito longe dali, Bebel
está prestes a terminar seu expediente. Nisso um carro vem devagarinho e para,
como se o carona tivesse interessado em fazer um programa.
CARONA: Boa
noite, gata! Vamos dar um rolé?
BEBEL: Não
vai dar gato. Eu já tô indo embora pra casa. A noite hoje foi puxada. Eu tô
cansada.
O motorista acelera o carro e o
carona puxa a alça da bolsa de Bebel e sai arrastando. Num primeiro momento
Bebel tenta correr atrás do carro na tentativa de arrancar a bolsa das mãos do
homem.
O carro ganha velocidade, até
que não conseguindo correr mais, por causa de seu salto alto, Bebel cai no
chão.
Continua amanhã...
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Você sabia?
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