No capítulo anterior...
- O delegado ouve a suposta vítima e pede
para Bebel aguardar na outra sala
- Reynaldo convida Gilberto para conhecer São
Paulo, mas ele alega compromisso com o trabalho
- O delegado acredita na versão de Bebel e
resolve liberá-la sem maiores exigências
- Bebel relembra que o delegado é um dos
clientes que já a procurou para fazer programas
- O delegado lhe dá seu telefone. Bebel sai
do distrito exultante e ainda ameaça o seu delator
CAP. 161
Bebel volta para o Setor Comercial Sul e conta tudo às
outras travestis, que mal podem acreditar na história.
Joana caminha pelos corredores
do shopping quando é abordada por um homem.
HOMEM: Oi
mocinha! Posso falar com você um instante?
JOANA: Pois
não, qual é o assunto?
HOMEM: Desculpe
perguntar, mas você trabalha, estuda?
JOANA: Ê!
Que papo mais atravessado é esse? Tô gostando dessa intimidade não.
HOMEM: Por
favor, não me interprete mal. Não é nada disso que você tá pensando... Tá vendo
aquele cartaz ali na vitrine? (e mostra)
JOANA
(observa e lê): Sim. “Precisa-se de vendedora”. E daí?
HOMEM: Então,
nós estamos há algum tempo procurando uma vendedora e estamos tendo uma certa
dificuldade em encontrar alguém com o nosso perfil. E, de repente, assim,
olhando pra você, me pareceu a pessoa ideal para preencher a vaga. Isso se você
se interessar, é claro. E dependendo também se você não tem outro emprego, se
não estuda, se tem disponibilidade...
JOANA: Ah
sim, agora tô entendendo. Então, eu estudo pela manhã e por enquanto não
trabalho em lugar nenhum.
HOMEM: Não
sei se você reparou, mas nossa empresa representa uma marca arrojada, moderna,
com perfil jovem, estilosa, assim como você. Acho que é a sua cara. Você se
interessa em fazer uma entrevista de emprego?
JOANA: Sim,
me interesso.
HOMEM: Pode
me acompanhar até o escritório agora? Ou prefere marcar um horário amanhã?
JOANA: Vamos
lá. Pode ser agora.
Joana acompanha o gerente até o
escritório, sempre atenta, observando tudo.
Lorraine e Bernardo conversam
enquanto preparam os bombons.
LORRAINE: Eu
fiquei passada com essa história da Bebel. Que sorte a dela dar de cara logo
com o delegado que já era freguês! Se fosse um homofóbico tinha era descido o
cacete na coitada. No mal sentido, é claro!
BERNARDO: Eu
acho curioso esse universo das travestis. Eu sonho em encontrar um amor, um
príncipe... Um companheiro pra vida toda, entende? Nunca me passa pela cabeça
me prostituir, fazer programa, ganhar dinheiro com isso...
LORRAINE: São
coisas bem diferentes, querida. Você tem esses sonhos porque você tem uma alma
feminina. Você apenas vive aprisionada no corpo de um homem. Mas os seus
desejos são os mesmos de uma mulher. Já a Bebel é travesti, ela está feliz com
órgãos sexuais que tem e sente prazer com eles. Vestir de mulher pra ela é
simplesmente um capricho.
BERNARDO: Complicado
isso né?
LORRAINE: Não
é complicado. Depois que você entende como a coisa funciona, fica bem mais
fácil. O problema da travesti é mais social do que pessoal. Geralmente as
travestis se prostituem porque elas não têm como estudar, como trabalhar, nem
nada. Se a pessoa não tem como trabalhar, a prostituição é o caminho mais fácil.
Mas olha, que fique bem claro: nem toda travesti se prostitui. Isso não é
regra. Existem travestis que não fazem programa. Elas se vestem de mulher
porque se sentem bem assim e pronto! No geral, a maioria se prostitui por falta
de melhores condições de vida.
BERNARDO: Deus
me livre! Não quero ter de me prostituir nunca!
LORRAINE: Nem
queira! Acho que a prostituição como imposição da vida, como falta de opção, é
uma coisa muito triste. Ninguém merecia passar por isso. É uma vida muito
sofrida, muito difícil e, o que é pior: sem perspectiva nenhuma! A pessoa só
trabalha enquanto tá novinha e bonita. Porque depois de velha e feia, quem vai
querer? Cliente só quer filezinho, só carne nova...
Nisso Bebel entra na cozinha...
BEBEL: Estão
aí discutindo a prostituição é?
BERNARDO: O
que você pensa para o seu futuro, amiga?
BEBEL: Ah...
Quero juntar uma grana, ir pra Itália, botar silicone, peitão, bundão e ficar
maravilhosa. Depois quero atender muito gringo, juntar uma grana boa e voltar
pro Brasil, rica e poderosa, tipo a minha amiga Cicciolina lá de Belém. A trava
é uó de chata, mas ela é bonita e rica. Fez a vida lá, atendendo na Itália...
BERNARDO: Você
não pensa em arrumar um parceiro, sair dessa vida?
BEBEL: Só
se for um bofe gostoso e rico, muito rico.
LORRAINE: É,
mas a coisa tem mudado muito... A crise na Europa tá feia, esse negócio de
travesti ganhar rios de dinheiro lá, é coisa do passado. Se eu fosse você,
Bebel, não me iludia muito com isso não...
BEBEL: Bom,
homem rico que gosta da fruta de caroço tem em todo lugar. Se não for na
Europa, pode ser em outro lugar do mundo, ou até aqui no Brasil mesmo... O
importante é achar o cara certo, na hora certa.
LORRAINE: Essa
daí é cabeça dura mesmo... (risos)
Reynaldo vai à porta do
condomínio se despedir. Reynaldo ao volante e Gilberto na porta do carro.
REYNALDO: Vim
aqui dar um último tchauzinho ao meu mineirinho gostoso.
GILBERTO: Que
bom que você veio. Pensei que fosse embora direto.
REYNALDO: Na
verdade eu não gosto de despedidas, mas não resisti à tentação de te ver mais
um pouquinho. Queria te dizer que foi muito especial tudo isso que a gente
viveu. Apesar de ser rodado e já ter passado por muitas experiências, eu nunca
tinha vivido algo tão legal assim.
GILBERTO: Nem
eu. Vou me lembrar disso pra sempre. Dos momentos que a gente passou junto, dos
lugares bacanas que você me levou pra conhecer.../
REYNALDO
(cortando): Das ratas que você deu né? (risos)
GILBERTO: Vai
ficar me criticando agora é?
REYNALDO: Brincadeira.
Só tô lembrando disso porque pra mim foi tudo muito especial. Nunca tinha
conhecido alguém tão simples e tão puro como você. Isso vai ficar marcado./
GILBERTO
(cortando): Tão bobo, você quer dizer né?
REYNALDO: Eu
não disse isso... Você que tá dizendo. Mas falando sério... Você vai mesmo me
visitar em São Paulo? Posso te esperar?
Gilberto fica pensativo.
Continua amanhã...
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Você sabia?
Embora
os atos homossexuais tenham sido descriminalizados na maior parte do mundo ocidental,
como a Polônia em 1932, Dinamarca em 1933, na Suécia em 1944, e no Reino Unido
em 1967, foi apenas em meados dos anos 1970 que a comunidade gay começou a
alcançar direitos civis limitados em alguns países desenvolvidos. Um ponto de
virada foi alcançado em 1973 quando a Associação Americana de Psiquiatria
retirou a homossexualidade do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais, negando assim a definição prévia da homossexualidade como um
transtorno mental clínico.
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