No capítulo anterior...
- Bernardo conta à psicóloga que nunca se
sentiu homem de verdade
- Ele revela experiências da sua infância
onde era usado sexualmente por seus colegas
- Bernardo conta ainda que sempre foi
rejeitado pelos garotos, mas se identificava com as garotas
- Ele lamenta relações sexuais fugazes,
desprovidas de carinho e envolvimento
- Célia se diz surpresa com a atitude de
Joana e propõe que encontrem outras vezes para se conhecerem melhor
CAP. 143
JOANA: Se
for interessante como foi a nosso conversa hoje, pode chamar que tô dentro!
CÉLIA: Bom
saber disso. Eu tinha muito medo da sua reação quando soubesse dessas coisas.
JOANA: Eu
sou nova, mas não sou tão burrinha assim... (risos)
Já na porta do condomínio...
CÉLIA: Então
posso te chamar pra sair mais vezes?
JOANA: Sim,
claro. Se eu tiver livre, aceito na hora.
CÉLIA: Mas
tem um detalhe: só peço que isso fique apenas entre nós. Não quero que a
Jussara fique sabendo de nada, ok?
JOANA: Por
mim tudo bem. Aliás, nem falando comigo mais a Jussara tá...
CÉLIA: Quero
que você saiba que foi um passeio muito agradável. Muito melhor do que eu
imaginava...
JOANA: Eu
também gostei. Agora deixa eu ir, antes que o povo lá de casa dê falta de mim.
Até mais.
Joana desce do carro. Célia
parte, entusiasmada com tudo que acabara de acontecer.
Bernardo e Cacilda continuam a
conversa na sede da ONG.
BERNARDO: Doutora,
digamos que eu resolva fazer uma cirurgia de mudança de sexo. Eu já li e
descobri em algum lugar que o Sistema único de Saúde até faz esse tipo de
cirurgia... eu queria saber como funciona isso.
CACILDA: Olha,
não é um procedimento tão simples assim, até mesmo porque mudança de sexo é uma
coisa complicada e raramente reversível. Não basta você dizer “eu quero mudar e
pronto”. Existe toda uma formalidade a ser cumprida antes da realização da
cirurgia.
BERNARDO: Sim,
eu sei, mas seu resolver fazer, é porque vou estar convicto de que é isso que
eu quero...
CACILDA: Num
primeiro momento todo mundo diz isso, mas depois, há casos de pessoas que se
arrependem e voltam atrás. Bom, mas vou lhe explicar o procedimento. Funciona
assim: a partir do momento que você tiver interesse em fazer a cirurgia, você
deverá relatar isso a um médico, em um posto de saúde. Você será encaminhado
para o hospital onde as cirurgias são feitas.
BERNARDO
(cortando): Mas, rápido assim?
CACILDA: Não...
Calma, deixa eu terminar... No hospital você será encaminhado para uma
psicóloga, como eu, que fará o seu acompanhamento. Primeiro ela vai solicitar
exames clínicos, pra saber se você de fato tem condições de passar pela
cirurgia. Depois, de posse desses resultados ela fará o seu acompanhamento
psicológico, pra saber se você realmente tá preparado pra fazer a cirurgia, se
esse desejo condiz com as suas necessidades, com as suas experiências de vida e
assim por diante. Por fim, depois de um longo período de acompanhamento, ela
emitirá um parecer, dizendo se tá ou não de acordo com a sua cirurgia. Somente
após esse ‘de acordo’ é que a cirurgia será feita.
BERNARDO: Nossa,
é um processo demorado então...
CACILDA: Sim.
Esse acompanhamento psicológico dura, no mínimo, dois anos. Depois desse
período é que a psicóloga dá o seu parecer. E te digo mais: há casos em que ela
dá parecer negativo, muitas vezes frustrando a paciente...
BERNARDO: É
mesmo? Por quê?
CACILDA: Porque
ela conclui que aquela pessoa não está preparada para a cirurgia. Vou te dar
dois exemplos bem simples: se a pessoa sente prazer com seu órgão sexual
masculino, então não deve fazer a cirurgia. Outro caso típico é quando a pessoa
tem algum problema mental, ou usa drogas pesadas. Uma pessoa nessas condições
não tem sanidade suficiente pra decidir uma questão da seriedade dessa. Há um
sério risco de ela voltar atrás depois, entende?
BERNARDO: Ah
sim... Agora eu entendi...
CACILDA: No
seu caso, eu te aconselho a refletir mais um pouco, pensar melhor em todas
essas coisas que te falei, se é isso mesmo que você quer pra sua vida. Você
ainda é muito jovem, muita água ainda pode passar debaixo da ponte. Mas, se
esse for, de fato o seu desejo, a ONG pode te auxiliar, pode te orientar onde
buscar apoio, consultas, fazer tratamento, etc.
BERNARDO: Puxa!
Eu agradeço muito. Por isso que sempre gosto de vir aqui conversar com a
senhora. Minha vida mudou depois que eu conheci a Pâmela, lá em Recife, a
Lorraine e a senhora aqui em Brasília. Muito obrigado mesmo.
CACILDA: De
nada, querido. É o meu trabalho, faço isso com o maior gosto. Quando precisar é
só me procurar.
BERNARDO: Mais
uma vez, muito obrigado.
Lorraine e Bebel vão ao posto
de gasolina e pegam a sua mochila no escritório da transportadora.
ATENDENTE: Pois
é moça, seu amigo caminhoneiro deixou um recado dizendo que se perdeu de você
lá na rodoviária. Ele não é da cidade e no meio daquela muvuca toda acabou
confundindo tudo e perdendo o rumo da lanchonete. Ele até mandou te pedir
desculpas.
BEBEL: Sem
problemas. Talvez esse tenha sido um mal que veio pra bem. Se eu não tivesse
perdido dele, não teria conhecido a minha amiga aqui. Agora mudei de ideia, ao
invés de ir pra São Paulo, vou dar um tempo aqui em Brasília. Vou ver o que
essa cidade tem de bom. Qualquer hora dessas apareço aqui pra te dar um alô.
Valeu pela força. Obrigado.
ATENDENTE: Por
nada. Precisando a gente tá aí.
Algum tempo depois, já no
apartamento...
LORRAINE: Olha,
esse vai ser o seu quartinho. Tá um pouco bagunçado, porque tudo que aparece
vou jogando aqui. Mas, depois de uma boa limpeza vai ficar até ajeitadinho. O
que você acha?
BEBEL: Pra
mim tá ótimo. Muito melhor do que dividir quarto com aquela galera na casa da
cafetina lá de São Paulo...
LORRAINE: Aqui
a gente é pobre mais é limpinho... (risos)
BEBEL: Mas
me diga uma coisa: você sabe que eu não tenho profissão, nem estudo nem nada...
Você sabe que eu vou ter de fazer programa pra me sustentar aqui... Eu nem te
perguntei, mas, você tem alguma coisa contra?
Continua amanhã...
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Você sabia?
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